BREVES CONTOS REAIS
1
Esperava o téc-téc no bule…
Era assim, acordar, acordar mais um pouco ouvindo a conversa que vinha da cozinha, e depois da colher bater no bule adoçando o café, então ai sim acordar de vez e trocar-se. Todos os dias, menos final de semana, ficar mais um pouco, cama quentinha até as 8, dizia-se.
O café já na mesa, pão que a mãe fazia em casa, enorme, branquinho por dentro, casquinha saborosa, era a melhor parte daquele pão, mas o miolo era super macio e bom também.
Sobre a fatia bem cortada, no capricho, uma camada de banha de porco ou manteiga de sitio que os pais compravam de vez em quando. Era conservado em água, pois sem geladeira ainda. Ou então doce de caixeta, pera ou pêssego que a família fazia em casa, no tacho de cobre, fogo de lenha no chão e o tacho em cima. As caixetas com tampa conservavam por bom tempo depois da época de frutas.
Era um café rapidinho para tomar caminho do colégio, aulas das 8 as 12.
Sábado não, e domingo, podia ser café mais demorado com gibi para ler ao lado da caneca, Wall Disney, Mikey e Pateta, tio Patinhas, Margarida e Pato Donald… Pai não gostava nada disso e dizia, “na hora de comer não deve ler”, o gibi era empurrado mais longe e logo voltava quando pai saia de perto, só que distante ele olhava desgostoso, mas nada dizia.
Pois era assim.
2
O martelo bateu na cabeça…
A cabeça do Dirceu sangrou, foi um dia de brincadeiras com foice, machado, facão e…
Martelo era comum entre eles, pregar nas madeiras velhas, tirar e bater nos pregos para torná-los reaproveitáveis, e pregar, pregar.
O maiorzinho morava próximo, duas cercas separavam as casas, portões para passar, não importava hora, só ir, só vir.
Mas na idade se equiparavam, poucos meses talvez, ela era loirinha de cabelos cacheados, ele moreninho, cabelos negros e curtos, esses irmãos, e o maiorzinho magrela, desajeitadinho era vizinho.
Vestimentas simples, descalços quase sempre, então avó dizia “precisa ‘arear’ esses pés”.
Os adultos gostavam que as ferramentas servissem de brinquedos, “aprende trabalhar”, “desenvolve habilidades”, diziam e até ensinavam capinar e farquejar tabuinhas.
Seria para fazer carrinhos?, a menina com a boneca no colo olhava com atenção, pequena ela, mas bem esperta. E o martelo veio de cima, manejado pelas mãos velozes do Dirceu, bateu no prego e foi pouco a força, então para melhorar, o martelo subiu demais até bater na cabeça com o lado oposto, dai sangrou a cabeça do menino.
O menino era Dirceu, a menina era Rose e o magrela era eu.
Assim foi um dia.
